Review – Clair Obscur mostra que um jogo não precisa ser AAA para ser nota 10

Em tempos em que jogos AAA custam 350 reais — e agora estão chegando aos 500, como Mario Kart World —, olhar para jogos com escopo mais simples e, consequentemente, mais baratos é o caminho ideal para o apreciador de games trilhar. Esses jogos podem oferecer experiências divertidas, mas às vezes carecem de um bom polimento ou de uma qualidade impressionante — embora, atualmente, até os gigantes da indústria falhem nesses aspectos. Hoje vamos falar de Clair Obscur, a nova sensação do momento.

Mas e se algum desses jogos mais simples for uma joia extremamente lapidada? E se esse jogo for um RPG inspirado em grandes sucessos do passado, mas moderno o suficiente para competir com os maiores títulos da atualidade? Esse jogo existe e se chama Clair Obscur: Expedition 33, o primeiro título do estúdio francês Sandfall Interactive, formado por 30 veteranos da indústria.

Em um mundo onde há uma contagem regressiva indo de 100 a 0 — e a cada ano pessoas com a idade correspondente morrem, ao melhor estilo do estalo do Thanos, aqui causado por uma misteriosa entidade chamada Artífice —, você assume o papel de Gustave. Ele faz parte da Expedição 33, grupo de pessoas que têm no máximo 32 anos de idade, cuja missão, ao lado de seus companheiros, é algo aparentemente simples, mas que nunca foi realizado antes: derrotar a criatura e interromper o evento anual conhecido como Gonmage.

À medida que você avança na história, encontra diários que são os últimos relatos de algum membro de outra expedição. Os textos vão de algo engraçado a melancólico — e melancolia é o sentimento que define esse jogo.

Com uma premissa simples, porém eficaz, especialmente pela forma como é apresentada ao jogador, você rapidamente mergulha no universo de Clair Obscur. O jogo te lança diretamente em um RPG por turnos que exige não só estratégia, mas também reflexos rápidos.

Combate: fácil de aprender, difícil de dominar

O combate evolui à medida que o jogo avança. No início, parece ser um RPG por turnos tradicional, no qual você escolhe entre atacar, usar itens ou habilidades. Logo é apresentado o sistema de defesa, em que defender um ataque inimigo permite contra-atacar — e isso é altamente recompensador. Em seguida, o jogo introduz o sistema de esquiva, uma forma mais fácil de se defender, mas que oferece menos recompensas.

Com a adição de personagens com mecânicas únicas, nenhum deles é jogado da mesma forma. Gustave, por exemplo, é o mais simples, mas sua mecânica permite acumular eletricidade para realizar um ataque poderoso. Já Lune trabalha com elementos e uma runa dividida em quatro partes. Cada parte representa um elemento, e combiná-los da forma certa garante vantagens no combate. Existem também personagens que alternam entre posturas ofensivas e defensivas, um personagem claramente inspirado em hack and slash, como Devil May Cry — que ganha classificação de D a S —, e até um personagem que imita os inimigos.

Essas variações tornam o combate de Clair Obscur único. A fluidez das batalhas impede que o jogo se torne monótono. É o tipo de jogo que consegue convencer até os jogadores que não gostam de RPGs por turno a dar uma chance. Ele é acessível desde o início e, rapidamente, passa a exigir muita atenção. Cada batalha pode ser vencida utilizando todos os recursos disponíveis. Os inimigos estão sempre tentando te superar — e, às vezes, uma boa defesa vale mais do que um ataque planejado. Conseguir executar um parry com sucesso pode mudar o rumo do combate. A esquiva é mais segura, mas não gera a mesma recompensa. Sendo assim, o jogo exige estratégia e coragem do jogador.

Sistema de RPG: eficaz e criativo

Ao fim do combate vêm as recompensas. Em Clair Obscur, a quantidade de experiência adquirida é alta por dois motivos. Primeiro, você precisa subir de nível rapidamente para enfrentar inimigos mais fortes. Segundo, é necessário desbloquear habilidades essenciais. A cada nível, o jogador recebe três pontos para distribuir em atributos que vão de Força até Sorte — cada um importante para diferentes estilos de jogo e armas ou pictos.

Os pictos são equipamentos que aumentam certos atributos ou adicionam habilidades passivas, como bônus no ataque básico ou mais dano em contra-ataques. Cada personagem pode equipar até três pictos e, como são únicos, é necessário montar builds específicas para aproveitar melhor cada personagem.

Como o jogo praticamente não exige grinding — ou seja, não há necessidade de repetir batalhas para evoluir —, o jogador tem a falsa sensação de que está tudo indo bem. De repente, sente-se fraco e percebe que esqueceu de equipar os luminas. Esses são habilidades passivas que o personagem aprende com o tempo em que permanece com determinado picto. Existe, então, uma rotatividade natural desses equipamentos. O jogador não precisa se apegar a uma única habilidade: basta aprendê-la e depois equipar algo melhor.

Por ser um RPG influenciado por jogos como Legend of Dragoon, Chrono Trigger, Final Fantasy e Lost Odyssey, o título entrega três elementos essenciais: um mapa grandioso, personagens icônicos e uma trilha sonora impecável.

Mapa que resgata a nostalgia da exploração

O jogador tem em mãos um mapa-múndi ao estilo dos clássicos do PS1, com personagens em escala gigante e cenários pequenos. Você caminha por esse mapa, encontra inimigos posicionados em locais fixos, visita cidades e explora cavernas. Nada de batalhas aleatórias. Algumas áreas estão disponíveis logo no início e podem conter inimigos muito fortes. Outras trazem boas recompensas. A nostalgia é intensa, especialmente para quem viveu os RPGs antigos, nos quais cada descoberta era única. Ao longo da jornada, você desbloqueia habilidades que permitem explorar novas áreas e alcançar locais que antes pareciam inacessíveis.

Personagens: a cereja do bolo

Alguns personagens envolvem spoilers, então serei breve. Basta saber que os personagens são o ponto alto do jogo. Há muito tempo não se via um elenco tão cativante. Em muitos RPGs, você se apega a um ou outro personagem. Aqui, todos são importantes e emocionam. Suas histórias variam entre tristes, engraçadas e cativantes. O jogo ainda oferece um sistema de afinidade com esses personagens, que, ao ser desenvolvido, rende habilidades extras.

O texto de Clair Obscur dialoga com temas como legado, luto e futuro. Cada personagem tem motivações claras, bem apresentadas ao jogador. A localização está excelente e ajuda na imersão. E sim, em alguns momentos, eu chorei.

Clair Obscur

Trilha sonora: melodias que emocionam

Lorien Testard é o compositor de Clair Obscur, e seu trabalho é memorável. As composições são doces e melancólicas, transmitindo perfeitamente a atmosfera do jogo. O clima de urgência e última esperança está presente em todos os ambientes, e a trilha sonora reforça isso com maestria. Em pouco tempo, você estará cantarolando algumas músicas e, quem sabe, adicionando-as à sua playlist do Spotify.

Visual: Belle Époque com Unreal Engine


O visual de Clair Obscur é inspirado na Belle Époque, período de paz e prosperidade na Europa entre 1871 e 1914. Elementos do Impressionismo, Art Nouveau e Simbolismo estão presentes em tudo — desde o figurino e paleta de cores até os cenários e os monstros, chamados de Nevrons. Muitos cenários misturam arquitetura realista com abstrações visuais. Tudo isso é lindamente trabalhado na Unreal Engine. A direção de arte é quase perfeita, principalmente considerando que o escopo do projeto é modesto. O resultado é impressionante.

Se não é AAA, o que é então?

Clair Obscur custa 200 reais na Steam e está disponível no Game Pass. Isso o torna um jogo AA? Não exatamente. O que revela seu orçamento médio são detalhes perceptíveis como expressões faciais pouco trabalhadas, animações de corrida um pouco estranhas e mapas com design linear, onde geralmente há apenas um caminho principal. Se você encontrar outro caminho, ele provavelmente leva a um item, mas nunca altera a rota. Os mapas também, por muitas vezes, são poluídos e não oferecem um bom senso de direção. Esses aspectos não prejudicam a experiência, mas indicam as limitações do projeto.

Mesmo assim, fica claro que o estúdio soube escolher suas batalhas. E venceu todas. O resultado é o melhor jogo possível, dentro do possível. Clair Obscur está disponível na Steam.

Nota: 10

Texto por: Victor Candido

Review – South of Midnight é videogame em sua essência

São tempos difíceis para jogos mainstream. A ambição por gráficos realistas e mundos abertos com dezenas de horas de gameplay pode facilmente cansar o público que não quer um jogo chato, mas também não quer algo longo demais. Em uma era em que Final Fantasy VII Rebirth leva 80 horas para ser concluído, Dragon Age: Veilguard e outros seguem o mesmo caminho. Ver um jogo como South of Midnight traz uma nostalgia de 2008 a 2012.

Na época do PS3 e Xbox 360, tivemos jogos como Alice: Madness Returns, Remember Me, Devil May Cry 4, o reboot de Devil May Cry, Vanquish, Enslaved, entre outros que tinham uma coisa em comum: uma jogabilidade com, no máximo, 14 horas. Eram os AAA ou AA da época, com ambição suficiente para garantir diversão em um período curto, mas com qualidade que podia ser considerada muito boa.

A Compulsion Games trouxe uma joia rara para a indústria — uma surpresa positiva, principalmente para quem não esperava algo tão bom. Depois do mediano Contrast e do desastroso We Happy Few, o terceiro jogo do estúdio é South of Midnight, um jogo de ação e aventura com elementos de plataforma e foco narrativo. Ele faz um pouco de tudo — e faz muito bem. Pode soar improvável, mas mostra que um estúdio pode dar a volta por cima e entregar grandes surpresas. South of Midnight é uma delas.

No jogo, você controla Hazel, uma garota com problemas familiares que testemunha um evento misterioso envolvendo um furacão e o desaparecimento de sua mãe. Em seguida, o mundo real começa a se fundir com um mundo de fantasia, e Hazel descobre que é uma “Tecelã”, uma entidade com poderes capazes de restaurar o mundo e trazer sua mãe de volta.

Sua história é baseada no folclore da região sul dos Estados Unidos. Você encontrará diversas criaturas desse imaginário — muitas delas são personagens carismáticos e divertidos, como Bagre, um peixe gigante contador de histórias, além de outros seres igualmente interessantes.

De modo geral, é uma história que funciona e é bastante sólida. Tem carisma e prende o jogador logo de cara. O ritmo é bom, sem enrolação, com bastante conteúdo e uma conclusão satisfatória. Não deixa um gancho explícito, mas abre espaço para uma possível sequência.

O jogo não é isento de problemas. O que mais incomoda é a limitação no combate: Hazel utiliza apenas duas agulhas e os combos são praticamente os mesmos durante todo o jogo. É possível alternar entre diferentes poderes para criar vantagens nas batalhas, mas, no geral, o modo de atacar os inimigos muda pouco.

Tirando isso, o jogo apresenta uma estrutura repetitiva, mas funcional: explorar o mapa, coletar pontos de experiência para melhorar habilidades, encontrar documentos que aprofundam a história, lutar contra inimigos e viver momentos musicais misturados com plataforma.

Quase todas as fases (ou capítulos) seguem essa estrutura. O jogo não tem medo de ser linear — e isso funciona muito bem. Sempre que se encontra um caminho alternativo, vale explorá-lo, pois geralmente há algo útil e logo o jogador retorna à trilha principal. O ritmo é ótimo, a progressão é rápida e a sensação de aproveitar ao máximo a experiência é real.

O sistema de combate é semelhante ao de jogos character action como Devil May Cry, com arenas fechadas onde surgem ondas de inimigos. As variações incluem inimigos corpo a corpo, tanques resistentes, atiradores e aqueles que fortalecem os demais. O jogador não tem itens de cura, mas pode restaurar parte da vida ao derrotar inimigos ou usar um orbe disponível em quase todas as arenas (utilizável apenas uma vez por combate). Isso incentiva o jogador a se dedicar ao máximo em cada luta, sabendo que terá recuperação ao final.

O combate tem seus desafios. Em dificuldades mais altas, o jogo é bastante punitivo. Na dificuldade padrão, o equilíbrio é muito bom, exigindo do jogador todo o aprendizado adquirido ao longo da campanha. Há um ciclo eficaz entre entender o comportamento dos inimigos e enfrentá-los em combinações cada vez mais desafiadoras.

Também há batalhas contra chefes — personagens ligados diretamente à narrativa e com pequenos arcos próprios. Cada chefe tem uma mecânica específica, e aprender os padrões não é difícil. No entanto, falta um chefe que exija o uso completo das mecânicas do jogo. Ainda assim, as batalhas são divertidas. E, para quem busca desafio, há troféus por vencer cada chefe sem tomar dano.

Um dos aspectos que mais chamam atenção é o visual. Desde o anúncio, South of Midnight impressiona com animações que simulam stop motion e uma direção de arte única. A ambientação em regiões pantanosas é ricamente detalhada e sempre oferece algo novo para observar. Apesar de não ser um jogo com gráficos de ponta, o uso da Unreal Engine aliado à direção de arte entrega um visual belíssimo.

A trilha sonora é um show à parte. Jazz e blues permeiam toda a jornada. Cada chefe tem sua própria música, e as letras fazem referência direta ao personagem em questão. Para aproveitar o jogo da melhor forma, vale a pena jogar com o volume alto e apreciar essa trilha fantástica.

Conclusão

South of Midnight é exatamente o tipo de jogo que faz falta na indústria: pequeno em escopo, mas com uma história boa e divertida, mecânicas bem aplicadas ao seu conceito e uma experiência única. Não precisa ser excelente — apenas bom o suficiente para entreter sem exigir dezenas de horas diante da tela. Suas 14 horas (ou menos) provam que ainda é possível criar algo de qualidade com foco, ritmo e personalidade. Se o mercado voltasse a olhar para jogos assim, viveríamos tempos muito melhores na indústria.

South of Midnight está disponível para Steam, Windows e Xbox por R$199,00 — um preço justo para um jogo claramente AA. Caso o jogador seja assinante do Game Pass Ultimate, pode jogá-lo por lá, sendo essa a maneira mais acessível de conhecê-lo.

Texto por: Victor Candido