Indie Brasilis resgata quatro décadas da produção nacional de games e lança campanha de financiamento coletivo

A produção brasileira de jogos digitais ganha um novo espaço de valorização com o lançamento do projeto Indie Brasilis: Catálogo de Games Nacionais – De Aventuras na Selva [1981] à sua versão mobile [2024]. Idealizado pelo desenvolvedor Renato Degiovani, pioneiro da cena nacional, e pelo jornalista especializado em games Kao Tokio, o projeto acaba de abrir campanha de financiamento coletivo na plataforma Catarse.

O objetivo é publicar um livro físico que reúne a história de 60 jogos criados no Brasil, abrangendo desde títulos que marcaram os primeiros passos da indústria, nos anos 1980, até produções recentes de destaque internacional. Entre os games presentes no catálogo estão clássicos como Amazônia, um dos primeiros jogos de aventura em texto do país; Horizon Chase, inspirado nos arcades de corrida e com sucesso em várias plataformas; além de obras premiadas como Pixel Ripped e Unsighted.

O livro, no entanto, não se limita aos nomes consagrados. A pesquisa dos autores também trouxe à tona produções pouco conhecidas ou quase sem registros, como Disco Laser e Aventuras na Serra Pelada, criados para computadores ZX Spectrum, além de projetos independentes das décadas seguintes, entre eles Ciber Cabra, SambaSim e Tacape. Para Degiovani, reunir esses jogos é uma forma de mostrar a diversidade e a riqueza da cena brasileira, muitas vezes invisibilizada em sites e eventos.

O projeto vai além da publicação impressa. O Indie Brasilis também conta com um site já disponível (indiebrasilis.com.br), que será constantemente atualizado com novos conteúdos sobre a produção nacional. Há ainda um canal de vídeos, que trará entrevistas com desenvolvedores, e a Galeria IndieDevs Brasilis, espaço online em que profissionais do setor podem cadastrar gratuitamente seus currículos e links de trabalhos, criando um panorama da atividade de game design no Brasil.

“O livro Indie Brasilis trará um compilado de informações de jogos clássicos das décadas de 1980 até 2020 e, pela primeira vez, detalhes de games muito pouco conhecidos ou sem quaisquer registros, a exemplo de Disco Laser e Aventuras na Serra Pelada, desenvolvidos para computadores baseados na
tecnologia ZX Spectrum, os games criados pelos jovens cearenses dos estúdios PISC/GENES, em meados da década de 1980, e projetos como Ciber Cabra, SambaSim e Tacape, entre outros”, informou Kao Tokio, um dos autores, destacando a ampla pesquisa para a elaboração da obra.

A iniciativa conta com patrocínio dos sites Tilt.net e Xuti.net, além de apoio institucional de organizações ligadas à cena gamer, como o portal Indústria de Jogos, a Game Jam Plus — maior maratona de criação de jogos do mundo —, a editora WarpZone, o evento Retrocon e o site Quebrando o Controle.

Interessados em apoiar a publicação podem contribuir pelo Catarse.

Não, não se trata de criar a Skynet!

Por Renato Degiovani, especial para o GameReporter

Ao longo dos últimos 30 anos, dedicando boa parte do meu tempo ao estudo e produção de jogos de computador, esbarrei em inúmeras situações que me obrigaram a um exercício intenso de introspecção e avaliação. No final das contas, a questão se resumia quase sempre a um simples enunciado: mas que raios de formato ou metodologia é necessária à priori, para que a diversão ou melhor a experiência lúdica do jogador se torne plena e satisfatória?

Adianto que nunca encontrei uma resposta para tal questão, mas desconfio que andei esbarrando, de tempos em tempos, em algumas possibilidades interessantes e dentre elas a que mais me inspirou a ter esperanças por uma solução real foi uma relacionada à narrativa nos jogos.

Arthur Protasio, coordenador do projeto Game Studies do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Fundação Getúlio Vargas (RJ), compilou em dois vídeos imprescindíveis para quem pretende “entender” de criar jogos a questão das narrativas na mídia interativa (no caso jogos), propostos por Tom Bissell (no livro Extra Lives) e Eric Zimmerman (no livro Rules of Play). Na visão de Protasio, a interatividade dos jogos nos impõe duas narrativas, ou dois tipos de narrativa: a emergente e a embutida.

A narrativa embutida, no entender desses pensadores, seria todo o conjunto temático, regras e enredos pré definidos do jogo e a narrativa emergente seria a experiência individual de cada jogador, contada a partir das suas próprias experiências ao jogar e que sempre variam de jogador para jogador ou mesmo entre “jogadas” de um mesmo jogador.

Os vídeos, para quem quiser se inteirar mais sobre o assunto podem ser assistidos pelos links abaixo:

Desconfio que é justamente nessa questão que reside um bom pedaço da resposta à pergunta: o que faz um jogo ser legal e divertido e, na sequência, altamente “comprável”. E para entender isso peço socorro a outro termo bastante usado no mundo dos jogos: imersão.

O termo imersão se refere à capacidade que um jogo tem de capturar a mente do jogador a tal ponto que todo o resto ao seu redor deixe de (literalmente) existir. Quanto mais imersivo, quanto mais “dentro” do jogo, mais a experiência de jogar se torna prazerosa.

Dessa forma, a narrativa embutida seria o primeiro aspecto a ser levado em conta, na elaboração de um grande sucesso no mundo dos jogos. Certo? Nem tanto.

O que dizer de Pong, de Paciência, de Angry Birds e tantos outros jogos que, quase sem nenhuma narrativa embutida, se tornaram ícones clássicos no mundo da diversão interativa? A resposta não parece ser muito fácil e nem estar por perto, o que nos obrigará fatalmente a continuar procurando.

Numa recente conversa com Arthur Protasio, no evento Joga Brasil, realizado no Rio de Janeiro em 2012, propus uma questão baseada em minhas próprias experiências de criação: seria possível a um jogo ter uma ampla narrativa emergente, sem no entanto ter uma narrativa embutida, mesmo que minúscula? Ou seja, zero de narrativa embutida e 100 de narrativa emergente?

Evidentemente não chegamos a nenhuma conclusão prática, mesmo depois de um bom tempo debatendo o assunto. A questão permanece portanto em aberto e explicarei a seguir de onde ela surgiu.

Ao longo dos anos, portando o adventure Amazônia para ambientes e plataformas diversas, quase sempre me deparava com uma situação interessante: no jogo, há um abismo a ser transposto pelo jogador, para que o mesmo acesse outras partes do cenário.

A solução para esse quebra cabeça variou ao longo dos anos e versões, ou seja, numa a solução vinha da construção de uma “ponte” (troncos + corda + machado) noutra da simples colocação do tronco no abismo, usando-o como ponte. Em outras a solução passou pela criação de uma “pinguela” usando bambu, corda e facão e na mais recente o uso de uma tábua, servindo como ponte. Todos estes objetos sempre estiveram presentes no jogo (desde o início). Apenas usei combinações diferentes em ocasiões diferentes.

Como parte da narrativa embutida, eu podeira sofisticar o jogo a ponto de permitir todas essas soluções ao mesmo tempo, ficando a cargo da vontade do jogador (narrativa emergente) qual delas usar.

Porém, todas estarão presentes, pensadas, organizadas e programadas. E se o jogador pensar numa outra forma atravessar o abismo? Numa forma que eu não previ? Teria que produzir então uma nova versão do jogo, incorporando essa possibilidade? Lembre-se estamos tentando ampliar a experiência lúdica do jogador.

E se, ao invés disso, eu criasse um sistema que permitisse ao jogador “ensinar” ao jogo como criar uma solução? Uma ultra, super, driper, turbinada narrativa emergente sem quase nenhuma narrativa embutida, pois à priori, nada estaria definido no jogo.

O jogo vai pensar por si só? Heim? Heim? Heim?

Daí o título deste artigo: não estou e nem quero criar a skynet. Estou propondo apenas pesquisar as formas de narrativa e no processo produzir alguns experimentos que nos levem a entender melhor esse balanceamento entre o produto e a diversão que ele produz.

Se nos divertirmos nessa jornada, já terá valido a pena o esforço.

Então leitor, está nessa?

Joga Brasil: 1º evento de games desenvolvidos no país


Ao contrário das feiras de games, esse encontro de jogos dá destaque aos jogos brasileiros, sem que eles tenham que disputar espaço com as mega produções internacionais.

O Joga Brasil acontecerá no Rio de Janeiro nos dias 28 e 29 de janeiro de 2012, na Faculdade CCAA, que está localizada na Av. Marechal Rondon 1460 – Riachuelo. O evento terá entrada gratuita. Não dá para perder né?

A proposta do evento é divulgar as empresas nacionais e seus jogos para o público consumidor. O evento contará com palestras e mesas redondas focadas em temas de mercado, além de encontros B2B, para fomentar novos negócios. Renato Degiovani [que já escreveu para o GameReporter] já confirmou presença.

O evento não divulgará apenas os games atuais, mas também olhará para o passado: uma exposição sobre a “história dos jogos brasileiros”, vai mostrar jogos adaptados como “Didi na Mina Encantada”, “Mônica no Castelo do Dragão” e os games criados 100% no Brasil, como “Amazônia”, “Zorax”, “Em Busca dos Tesouros”, “Barravento”, “Incidente em Varginha” entre outros.

Gostou? Quem vai participar? Para mais informações, acesse o site oficial do evento: http://www.jogabrasil.com.br/