Neste trabalho, será observado e evidenciado a existência do conceito de Micro-Flow no estado do Flow, a fim de validar a hipótese de que este conceito, de fato, corrobore para manter o jogador engajado no envolvimento dos jogos.
Sabe-se que durante o processo de desenvolvimento de jogos uma das principais preocupações é garantir que o jogador se mantenha imerso no jogo e se divirta pelo maior tempo possível, como diversão é subjetiva, ou seja, o que é divertido pra um pode não ser para o outro, buscou-se uma metodologia para identificar os fatores que concatenam esses anseios, desejos, comportamento e a intensidade de relacionamento entre o jogador e o jogo, essa teoria recebeu o nome de “Flow”.
De acordo com CSÍKSZENTMIHÁILYI, (1990) os sentimentos que um nadador de longa distância sentia quando cruzava o canal da mancha era muito próximo ao de um enxadrista durante um torneio ou de um escalador quando se deparava a uma parte difícil de sua jornada, isso porque as razões pelas quais se divertiam ou se sentiam bem, eram muito similares, principalmente quando buscava-se entender o “como” era fazer determinada atividade. Isso porque o prazer gerado com aquela atividade era extremamente satisfatório e agradável para o indivíduo, favorecendo assim a experiência.
Por mais de 25 anos este estudioso, psicólogo e pesquisador, validou sua metodologia entrevistando especialistas buscando entender o que mais gerava prazer naquilo que desenvolviam, depois com pagers e outros voluntários que a cada momento que o pager era acionado os entrevistados anotavam o que estavam fazendo e sentido, e por fim, expandiu-se para vários países que começaram a correlacionar o que era captado com os primeiros resultados. Uma analogia a este processo identificado é quando observa-se profissionais apaixonados pelo que fazem, para alguns pode parecer estranho como alguém com tantas tarefas está tão feliz fazendo aquilo, para aquele indivíduo em específico o que justifica seu comportamento consiste em fundamentar que afinal de contas, seu estado de espírito está passando pelo “enjoyment”, ou traduzindo de forma literal, engajamento.
“No decorrer dos meus estudos, busquei compreender o mais exatamente possível como as pessoas se sentiam quando mais se divertiam e por quê. Meus primeiros estudos envolveram algumas centenas de especialistas – atletas, músicos, mestres e cirurgiões – em outras palavras, pessoas que pareciam passar seu tempo precisamente com as atividades de sua preferência.” (Mihaly Csíksentmiháilyi , 1990, p.14, tradução nossa)
Dessa forma, com o contínuo desenvolvimento do estudo, entendeu-se que o engajamento tinha maior chance de acontecer quando uma determinada atividade exigia de alguma forma uma necessidade de habilidade por parte de quem iria executá-la, isso pode ser facilmente percebido quando se observa os esportes, no fundo a competição se dá pelo fato de que a habilidade do oponente por vezes pode se demonstrar mais eficiente do que a sua ou a do seu time, exigindo mais esforço para superar aquele desafio. Entretanto, se comparar um jogo entre times desequilibrados, aquilo que era para ser algo engajador passa a ser frustrante, ou seja, existem premissas outras que devem existir para aumentar a chance de gerar engajamento para ambos os jogadores. Uma das premissas é pertinente ao objetivo, meta e regra, elas devem ser as mais claras possíveis, afim de que o participante, executor ou jogador, entenda perfeitamente o que deve ser feito, como deve ser feito e o porquê deve ser feito, criando na mente do indivíduo uma relação entre desafio e habilidade.
Aliado a isto, existem fatores que colaboram com a possibilidade de engajar, um dos principais fatores é o que o autor denominou como sendo o “Direct Feedback” ou traduzindo, resposta direta, isso significa que quando o indivíduo possui respostas constantes sobre a atividade que está exercendo serve para auxilia-lo no entendimento se está mais próximo ou distante do seu objetivo, potencializando assim o próprio engajamento.
De acordo com o autor, quando se atinge o engajamento cria-se um estado mental que promove a perda da autoconsciência, o indivíduo fica tão imerso na atividade que perde a noção de si mesmo e do que está à sua volta, desta forma, a “fluidez” de suas ações se tornam espontâneas e naturais, isso pode ser observado facilmente em dançarinos profissionais que no ápice de sua apresentação se movimentam como se fossem parte da dança, ou até mesmo, a própria dança, se fundindo com a atividade e percebendo apenas o prazer e o bem estar de realizar aquela atividade. E é deste raciocínio que vem o termo “flow”
“O estado oposto da condição de entropia psíquica é uma experiência ótima. Quando a informação que o indivíduo recebe vem à tona e é congruente com os objetivos que ele persegue, a energia psíquica flui sem esforço.” (Mihaly Csíksentmiháilyi , 1990, p.57, tradução nossa)
Também pode se observar, analogamente, no jogo Silent Hill PT em que o looping proporciona ao jogador a sensação de progresso e ainda corrobora para a geração de tensão psíquica já que se sente preso ao mesmo tempo que avança.
Por fim, como um dos principais resultados disso, percebe-se uma transformação do tempo, o autor descreve como se o relógio não medisse o tempo durante as atividades que geram o flow. Isso pode ser facilmente entendido quando comparado duas situações, uma de dor e outra de prazer, se ambas durarem a mesma quantidade de tempo a percepção será alterada. Portanto, um minuto de dor pode parecer durar uma eternidade e que nunca vai acabar, um minuto de prazer por sua vez gera percepção de pouca duração e a sensação que fica é que aquilo ocorreu muito rápido.
Ou seja, o flow é o que vamos usar para entender como manter o jogador ativo, engajado e se divertido por todo o tempo que nosso jogo proporciona, seja ele do gênero que for.
FERRARA, (2012) também fala deste método e conceito, se aprofundando ainda mais no seu emprego para jogos, de acordo com o autor, o flow pode se estabelecer quando o jogador domina a interface e sua atenção fica voltada apenas para os desafios apresentados no jogo, estes desafios, não podem ser difíceis de serem superados a ponto de causar frustração, mas também não podem ser fáceis o bastante para causar tédio.
Desta forma pode-se entender os seguintes gráficos elaborado por CSÍKSENTMIHÁILYI, validado por FERRARA e usado até hoje.
Em tradução direta dos termos utilizados, estes são os tipos de sentimentos que pode ser despertado nos indivíduos em qualquer que seja a tarefa a ser realizada, ou seja, de acordo com a relação pessoal entre o desafio e a habilidade requirido de cada um, diferentes tipos de pessoas podem ter diferentes formas de se relacionar com aquela determinada atividade.
A apatia como demonstrada no gráfico é o pior dos sentimentos que o indivíduo pode sentir diante da atividade, pois, não enxerga nenhum tipo de desafio e também não lhe é exigido nenhum tipo de atividade. Entretanto, o seu ponto antagônico é exatamente o que buscamos, o flow, ou seja, uma relação perfeita entre desafio apresentado e habilidade requerida. Para o universo de jogos, além de fundamental, essa relação é o desejo de todo o desenvolvedor, porque é este sentimento que faz com que o título seja viralizado e faça sucesso, afinal, quem não indica para outros aquele jogo que experimenta, gosta e tem uma excelente experiência?
Apesar de desejado, o estado de flow constante é utópico e praticamente impossível de ser alcançado em cem por cento do tempo, o que nos sugere que uma relação mais próxima da realidade seja algo parecido com a figura a seguir.

Ou seja, apesar do objetivo dos desenvolvedores de jogos ser atingir o estado de flow, é prudente entender que o jogador se aproximará por vezes da zona do tédio e da ansiedade, ter esse entendimento é importante para que mecanismos de resgate sejam acionados, usando isso ao favor do título, é como se de propósito o jogo te transportasse entre a ansiedade e o tédio, aumentando assim a transição do estado e possibilitando um maior tempo de experimentação dele, esses gatilhos podem ser considerados de dois tipos, Passivos ou Ativos.
De acordo com JENOVA, (2006) para que o gatilho seja entendido de forma passiva, o fluxo do jogador precisa ter suas ações monitoradas durante o jogo, para que assim, o próprio jogador auxilie o jogo a proporcionar o estado de flow. Para isto o autor descreve a utilização da metodologia conhecida como “DDA” ou “Dynamic Difficulty Adjustment”, em que o jogador gera dados durante sua partida, o sistema de monitoramento coleta estes dados, filtra estes dados para que a transição ocorra de forma gradual, sem que haja falsos entendimentos, gera a análise destes resultados, avaliando a performance do jogador e envia novas sugestões para o sistema central do jogo ajustar o desafio, tanto para cima quanto para baixo.

Esse formato pode ser percebido regularmente em jogos on line que possuem sistema de level e evolução de personagem baseados em poder adquirido, como os oferecidos pelas franquias, Knights On Line, The Elder Scrools, Diablo, e etc. permitindo com que oponentes mais fortes sejam apresentados à medida que o jogador se fortalece e domina todas as funções que o jogo proporciona.
Este loop além de auxiliar na manutenção do jogador no flow permite com que estes jogos possuam uma vida útil maior se assemelhando com os modelos de negócios de serviços, em que o jogo nunca tem fim e permite atualizações por parte da desenvolvedora para que desafios maiores sejam criados a partir da evolução dos jogadores.
Assim como os gatilhos passivos, os ativos são igualmente importantes, a diferença está justamente na forma em que são ativados, pois, dependerá da ação do jogador. Um exemplo simples para que estes gatilhos sejam entendidos é o ajuste de dificuldade do desafio que será enfrentado a partir de uma tomada de decisão que antecede o início da partida. Esse momento já pode ser considerado importante para começar a criar os parâmetros necessários para o flow ser gerado, ele pode ser simplista ou já buscar o início do relacionamento com o jogador a fim de demonstrar o que pode ser esperado.

Um dos percussores que exemplifica e já permite a exploração deste formato de comunicação é o jogo de Terror DOOM da década de 90 que ao invés do conhecido formato “Fácil, Médio e Difícil” apresentava os modos em tradução livre:
- Sou muito jovem para morrer
- Hey, não tão violento
- Me machuque bastante
- Ultra Violento
- Pesadelo!
Esse tipo de escolha possibilita o jogador ter uma ideia do que poderá enfrentar no caminho e já começa a criar expectativas que ao serem cumpridas se transformarão em entusiasmo e por consequência proporcionarão o estado do flow gradativamente

Esse ajuste se demonstra importante uma vez que diferentes jogadores possuem diferentes níveis de habilidades, mesmo compartilhando os fatores que o determina como público-alvo, desta forma, o ajuste ativo de dificuldade garante a maior capilaridade para que diferentes jogadores possuam de diferentes formas uma jogabilidade agradável e que combine com sua expectativa de relação entre o desafio proposto e a habilidade requerida, possibilitando diferentes flows.
Segundo o autor, existe mais um formato capaz de possibilitar e manter o jogador no flow e ele descreve esse formato como se fosse uma árvore de decisão em que diversas vezes durante a partida o jogador é questionado e colocado para tomar decisões que alteram o fluxo do jogo, permitindo a experimentação por parte do jogador.

Um bom exemplo que ilustra esse tipo de questionamento ao jogador é o utilizado pelo jogo de terror Until Dawn de 2015, durante a partida por diversas vezes o jogador é obrigado a tomar decisões, algumas com consequências fortemente relacionadas com o desfecho do jogo, outras nem tanto mas que possibilitam experiências e vivencias diferenciadas durante o avanço do gameplay.

Logo no começo o jogador tem uma prévia de como será o seu relacionamento com o jogo e deve escolher entre soltar a irmã de um penhasco e se salvar ou morrer junto com ela na queda. Seguindo dessa forma, as vezes com decisões que colocam a ética em cheque, as vezes colocando a questão da sobrevivência, Unitl Dawn ainda faz ajustes em relação às fobias que cada jogador em particular possui.
Durante os momentos de “calmaria” o jogador é submetido à uma conversa com um psicólogo que fica gerando dados para o sistema do jogo se ajustar aos níveis de tensão do jogador.

Neste exemplo demonstrado na figura acima, o Dr. Hill (psicólogo do jogo) questiona ao jogador qual o pior tipo de medo que ele sente e você tem que escolher entre uma série de fobias como exemplificado, você possui mais medo de palhaços ou de zombies?
Dependendo da escolha do jogador, mais daquele tipo de desafio será mostrado durante a partida, garantindo o principal objetivo do jogo, uma gameplay assustadora em que o medo tem papel fundamental no flow.
Com essa experimentação, Until Dawn obteve muitos jogadores contentes com a jogabilidade lhe conferindo sucesso de vendas e se estabelecendo como um dos títulos mais aclamados para Playstation 4.
Observando todos estes títulos e diversos outros que fizeram sucesso de crítica e foram aclamados pelos milhares de jogadores, percebe-se que existe algo mais, algumas conceituações utilizadas pelos autores evidenciados aqui para descrever o flow, os ajuste de dificuldade e suas distinções entre gatilhos passivos e ativos não compreendem todos os espectros dos jogos atuais e as vezes simplesmente se confundem, inclusive, o próprio Mihaly Csíksentmiháilyi diz que é impossível manter o flow durante todo o tempo, principalmente para ações mais longas.
Este estudo tenta, em vez de apresentar uma receita, mostrar juntamente com exemplos concretos de como algumas pessoas usaram esses princípios para transformar vidas chatas e sem sentido em vidas cheio de diversão. Não há promessa de atalhos fáceis. Mas para aqueles que se preocupam com essas coisas, haverá informações suficientes para fazer o possível para mantê-los no flow.
Sabe-se que é impossível fazer um jogador se engajar 100% em todos os intatnes do gameplay, mesmo que seja um jogo que ele goste muito, da mesma forma, é extremamente remoto a possibilidade de um leitor gostar 100% do livro que escolheu ler. Algumas coisas ocorrem para aproximar ou afastar, o jogador, o leitor e qualquer outro que esteja fazendo uma função dela mesma. Sendo assim, surge o conceito que aqui apresentaremos de micro-flow, aqueles pequenos momentos, detalhes, acontecimentos que forçam as pessoas, mais precisamente o jogador, por ser nosso foco, a voltar para o estado de Flow.
Imagine a situação em que você se encontra diante de um determinado puzzle, está gostando muito do jogo, mas, não sabe o que fazer alí, o sentimento que antes era de empolgação passa a ser de frustração, se observarmos a empolgação e engajamento no gráfico, teríamos algo semelhante a isso.

É nesse momento, quando o jogador fica perdido e sem saber o que fazer, prestes a desistir, que os desenvolvedores devem pensar no micro-flow, ou seja, fatores que permitam o jogador voltar para o ambiente do Flow.

Para isso devemos pensar em alguns fatores para desenvolver as melhores formas de aplicar o micro-flow:
- Quais são os momentos que podem gerar um redirecionamento abrupto no flow do jogador, tanto para a zona de ansiedade quanto para a zona de tédio? Isso porque o uso do micro-flow deve ser feito com parcimônia, para que não tire a característica desafiante do jogo;
- Quanto tempo o jogador pode experimentar esse redirecionamento sem que de fato desista (depois que o jogador experimentar o micro-flow, a tendencia é que ele alargue as bandas que funcionam como limite entre a zona do tédio e a zona da ansiedade;
- Como encaixar o micro-flow na narrativa para que o jogador entenda o contexto sem que haja a necessidade de justificativa daquilo.
Vamos imaginar uma situação clássica em jogos de terror – O jogador precisa encontrar uma chave na sala que está, cuja a porta se fechou sozinha, já faz um tempo que ele vasculha, inspeciona assets e está preso sem descobrir onde a chave está escondida – Os desenvolvedores poderiam pensar em algo como – “Se o jogador não encontrar a chave em até X tempo, o item começa a brilhar” – Esse pensamento de fato corroboraria para o item 1 e 2 das considerações do micro-flow, mas não para o 3, a não ser que houvesse alguma justificativa real para ela se iluminar. Desta forma, uma sugestão para solucionar esse problema seria – “Se o jogador não encontrar a chave em até X tempo, o Relógio da parede começa a tocar, como se o cuco estivesse possuído por um espírito maligno, chamando a atenção para o jogador ver o relógio e encontrar a chave lá escondida”. Ora, o jogo já é de terror e toda a suspensão da descrença a respeito do sobrenatural já foi feita (ou deveria ter sido) quando o jogador se depara com isso, ele não perde a imersão e subconsciente começa a entender que nunca ficará preso sem saber o que fazer, gerando mais empatia com o jogo e ficando mais confortável.

Desta forma, pode-se entender que o micro-flow tem por objetivo funcionar como uma barreira, a fim de que o jogador tenha mais dificuldade de sair desse estado psicológico que ajuda um jogo a fazer sucesso e conquistar muitos fãs.
Bibliografia
CSÍKSZENTMIHÁLYI, Mihaly. Flow: The Psychology of Optimal Experience, NY - Harper and Row. ISBN 0-06-092043-2 FERRARA, John. Playful Design: Creating Game Experiences in Everyday Interfaces, Michigan, Louis Rosenfeld, 2012. JENOVA, Chen. Implement Flow in Games – Dynamic Difficult Adjustment, San Francisco – GDC, 2006