Não, não se trata de criar a Skynet!

Por Renato Degiovani, especial para o GameReporter

Ao longo dos últimos 30 anos, dedicando boa parte do meu tempo ao estudo e produção de jogos de computador, esbarrei em inúmeras situações que me obrigaram a um exercício intenso de introspecção e avaliação. No final das contas, a questão se resumia quase sempre a um simples enunciado: mas que raios de formato ou metodologia é necessária à priori, para que a diversão ou melhor a experiência lúdica do jogador se torne plena e satisfatória?

Adianto que nunca encontrei uma resposta para tal questão, mas desconfio que andei esbarrando, de tempos em tempos, em algumas possibilidades interessantes e dentre elas a que mais me inspirou a ter esperanças por uma solução real foi uma relacionada à narrativa nos jogos.

Arthur Protasio, coordenador do projeto Game Studies do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Fundação Getúlio Vargas (RJ), compilou em dois vídeos imprescindíveis para quem pretende “entender” de criar jogos a questão das narrativas na mídia interativa (no caso jogos), propostos por Tom Bissell (no livro Extra Lives) e Eric Zimmerman (no livro Rules of Play). Na visão de Protasio, a interatividade dos jogos nos impõe duas narrativas, ou dois tipos de narrativa: a emergente e a embutida.

A narrativa embutida, no entender desses pensadores, seria todo o conjunto temático, regras e enredos pré definidos do jogo e a narrativa emergente seria a experiência individual de cada jogador, contada a partir das suas próprias experiências ao jogar e que sempre variam de jogador para jogador ou mesmo entre “jogadas” de um mesmo jogador.

Os vídeos, para quem quiser se inteirar mais sobre o assunto podem ser assistidos pelos links abaixo:

Desconfio que é justamente nessa questão que reside um bom pedaço da resposta à pergunta: o que faz um jogo ser legal e divertido e, na sequência, altamente “comprável”. E para entender isso peço socorro a outro termo bastante usado no mundo dos jogos: imersão.

O termo imersão se refere à capacidade que um jogo tem de capturar a mente do jogador a tal ponto que todo o resto ao seu redor deixe de (literalmente) existir. Quanto mais imersivo, quanto mais “dentro” do jogo, mais a experiência de jogar se torna prazerosa.

Dessa forma, a narrativa embutida seria o primeiro aspecto a ser levado em conta, na elaboração de um grande sucesso no mundo dos jogos. Certo? Nem tanto.

O que dizer de Pong, de Paciência, de Angry Birds e tantos outros jogos que, quase sem nenhuma narrativa embutida, se tornaram ícones clássicos no mundo da diversão interativa? A resposta não parece ser muito fácil e nem estar por perto, o que nos obrigará fatalmente a continuar procurando.

Numa recente conversa com Arthur Protasio, no evento Joga Brasil, realizado no Rio de Janeiro em 2012, propus uma questão baseada em minhas próprias experiências de criação: seria possível a um jogo ter uma ampla narrativa emergente, sem no entanto ter uma narrativa embutida, mesmo que minúscula? Ou seja, zero de narrativa embutida e 100 de narrativa emergente?

Evidentemente não chegamos a nenhuma conclusão prática, mesmo depois de um bom tempo debatendo o assunto. A questão permanece portanto em aberto e explicarei a seguir de onde ela surgiu.

Ao longo dos anos, portando o adventure Amazônia para ambientes e plataformas diversas, quase sempre me deparava com uma situação interessante: no jogo, há um abismo a ser transposto pelo jogador, para que o mesmo acesse outras partes do cenário.

A solução para esse quebra cabeça variou ao longo dos anos e versões, ou seja, numa a solução vinha da construção de uma “ponte” (troncos + corda + machado) noutra da simples colocação do tronco no abismo, usando-o como ponte. Em outras a solução passou pela criação de uma “pinguela” usando bambu, corda e facão e na mais recente o uso de uma tábua, servindo como ponte. Todos estes objetos sempre estiveram presentes no jogo (desde o início). Apenas usei combinações diferentes em ocasiões diferentes.

Como parte da narrativa embutida, eu podeira sofisticar o jogo a ponto de permitir todas essas soluções ao mesmo tempo, ficando a cargo da vontade do jogador (narrativa emergente) qual delas usar.

Porém, todas estarão presentes, pensadas, organizadas e programadas. E se o jogador pensar numa outra forma atravessar o abismo? Numa forma que eu não previ? Teria que produzir então uma nova versão do jogo, incorporando essa possibilidade? Lembre-se estamos tentando ampliar a experiência lúdica do jogador.

E se, ao invés disso, eu criasse um sistema que permitisse ao jogador “ensinar” ao jogo como criar uma solução? Uma ultra, super, driper, turbinada narrativa emergente sem quase nenhuma narrativa embutida, pois à priori, nada estaria definido no jogo.

O jogo vai pensar por si só? Heim? Heim? Heim?

Daí o título deste artigo: não estou e nem quero criar a skynet. Estou propondo apenas pesquisar as formas de narrativa e no processo produzir alguns experimentos que nos levem a entender melhor esse balanceamento entre o produto e a diversão que ele produz.

Se nos divertirmos nessa jornada, já terá valido a pena o esforço.

Então leitor, está nessa?