Dos males o menor

Renato Degiovani, especial para o GameReporter

A produção nacional de jogos sempre viveu momentos de grande expectativa, entremeados de marasmos quantitativos e qualitativos ou seja, o movimento de produção é nitidamente cíclico por aqui. Mas, para entender o que isso representa, de bom e de ruim, precisamos revisar alguns pontos.

No final dos anos 70, quando os computadores saíram das grandes salas refrigeradas das corporações e ganharam os nossos lares, iniciou-se o movimento de produção daquilo que quase todos do ramo, nos dias atuais, chamam de entretenimento eletrônico/digital.

No Brasil, esse movimento teve início nos anos 81/82, com a produção e publicação de jogos desenvolvidos aqui mesmo, por brasileiros e para brasileiros, naquela que foi o maior simbolo da produção intelectual e cultural do software nacional, a revista Micro Sistemas.

Da publicação pura e simples, para a constituição de empresas desenvolvedoras, produtoras e distribuidoras (na época chamadas de softhouses) foi um pulo. Os jogos saíram pela primeiras vez das páginas de revistas e livros e aportaram nas prateleiras das grandes lojas de varejo da época, em fitas K7.

Vivenciamos nesses anos o primeiro grande momento da produção nacional, que foi tragicamente “deletado” do cenário pelo famigerado plano cruzado. Uma única “canetada” do presidente da república e dezenas de softhouses foram catapultadas para o limbo das empresas falidas.

Por volta dos anos 85/86, o mercado nacional experimentou outro grande momento, à reboque dos lançamentos de hardware tão esperados por aqui: o MSX e o ZX Spectrum. Voltaram as empresas produtoras e os títulos nacionais em profusão. O mercado se aqueceu novamente e as esperanças de um recomeço se tornaram mais nítidas.

No início da década seguinte, os anos 90, noutra famosa “canetada”, todo o dinheiro circulante do pais foi confiscado e o plano Color sepultou (repetindo o plano anterior) as softhouses que ainda mantinham uma produção de destaque. Foi o fim da era de ouro da produção nacional de jogos para computador, onde títulos com temática brasileira apareciam sempre, em lançamentos dignos de nota.

Já no meio da década, nos anos 95/96, depois de recuperar algum gás com o plano Real e à reboque das inovações técnicas e modelos de jogos (em especial o nascimento do jogo 3D), o mercado nacional experimentou um novo alento, que também não durou muito. A produção nacional, antes recebida com toda pompa e simpatia, ganhava um inimigo mortal nas páginas da iniciante produção internética: a critica rancorosa. Sites e mais sites de jogos praticavam o esculacho puro e simples de tudo que soasse brasileiro, quer pela comparação direta com as grandiosas produções estrangeiras, quer pela tecnologia usada. Ao produtor nacional não bastava ser muito melhor que o estrangeiro mas, se não fosse assim, valor algum tinha para a critica.

Quando o novo milênio começou, o mercado produtor recebeu uma lufada de novas ideias, novos experimentos e principalmente uma nova mentalidade em desenvolvimento e produção. Começaram a surgir grandes propostas de jogos, com investimentos saltando para a casa dos milhões. Reapareceram as empresas, agora chamadas de estúdios, as associações e clubes, bem como os cursos de criação e produção de jogos.

Parecia finalmente que as coisas andariam no rumo certo, mas dessa vez a produção nacional tropeçou em suas próprias pernas, com projetos mirabolantes, ideias esquizofrênicas regadas à dinheiro público e propostas equivocadas, dentro das universidades. Foi um porre geral.

Do meio da década para cá, os movimentos mais visíveis foram esmaecendo e aparentemente houve uma acomodação na produção. O mercado, como um todo, finalmente amadureceu e reconheceu que existem diversos níveis de atuação. Até mesmo a critica insana compreendeu que antes de qualquer coisa é preciso posicionar bem os produtos, para então tecer comentários sobre eles.

O debate xiita nacionalista foi deixado de lado, bem como a idiotice de se acreditar que é possível produzir um concorrente à altura das maiores produções internacionais, apenas usando como combustível o sonho infanto-juvenil de fazê-lo.

No Brasil de hoje produz-se principalmente para os mercados internacionais. Isso é ótimo pois gera empregos, gera receita, gera conhecimento, tecnologia, experiência e todos os demais subprodutos do meio. Gera uma produção que extrapola fronteiras, mas infelizmente não gera uma cultura de produção nacional (não confundir com “cultura nacional de produção”).

A pergunta que parecia plenamente respondida em 1981 “sim, vale a pena produzir um jogo brasileiro, para o mercado brasileiro” atravessou os últimos 25 anos sem ter uma aparente confirmação. Ela é de longe a mais urgente das questões a serem postas e debatidas, no atual cenário, sem paixonites ou preconceitos.

E por que ela é importante? Porque não produzimos aqui as tecnologias tanto em hardware como em software que dão o suporte aos jogos modernos. Restaria portanto revestirmos a nossa produção de uma coloração cultural própria, que a destacasse no resto do planeta não apenas pela qualidade de mão de obra, mas principalmente pela qualidade do conteúdo. Nesse aspecto, nossa contribuição, como brasileiros, na economia global é um enorme zero.

Notas:

1)- Não citei um único jogo propositadamente. Todos eles aparecem, aqui e ali, em citações pela internet afora, nas wikipédias e em publicações, como o livro gamebrasilis do Senac, que mapeia a produção nacional de jogos. Conhecer o assunto é imprescindível para um debate saudável;

2)- Ao defender uma produção brasileira não estou querendo dizer que todos os outros modelos não prestam ou não tem valor, ou não são/devem ser aplicados por empresas brasileiras. Trata-se apenas de um conceito simples: os itens culturais de um país trazem à reboque todo um leque de possibilidades.

Autor: Dolemes

David de Oliveira Lemes | @dolemes | Editor do GameReporter e do GameOZ. Professor da PUC-SP e consultor na área de educação e tecnologia.

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